O que é identificação para Freud?

O que é identificação para Freud?

Mudamos o formato do ABC do Inconsciente! Agora traremos, a cada mês,   um esboço sobre algum conceito da Psicanálise.

Dessa primeira vez a escolha do conceito ficou por minha conta, e decidi fazer uma breve definição discursiva sobre a identificação, mas no próximo mês, a escolha contará com a sugestão de vocês, leitores e leitoras do Blog!

A identificação, segundo Freud, é “a mais antiga manifestação de uma ligação afetiva a uma outra pessoa”. Nosso Eu tem origem sempre num laço identificatório inconsciente com o Outro, a partir do qual serei capaz de me identificar e constituir um Eu, através desse Outro que está em relação comigo. É a partir dessa identificação primária que nossos primeiros investimentos no mundo serão feitos e nossa “noção” de Eu começa a se esboçar.

Se estamos vivos é porque fomos capazes de criar um vínculo afetivo com alguém e passamos a existir enquanto Eu através de e na relação entre o eu e esse outro. Nossas identificações apontam sobre como elementos vindos do outro nos afetam. Podemos introjetar (trazer para si), projetar (expulsar para fora de si) ou transformar em ideais traços, valores e pensamentos que encontramos no outro.

Em Psicologia das massas e análise do Eu, o Freud afirma que podemos nos identificar com um outro ao “querer ser como” ele, ao querer “tomar o lugar” do outro e substituí-lo em sua posição. Podemos ter sentimentos de ternura pelo outro, mas também podemos expressar o desejo de eliminar e aniquilar esse mesmo objeto. No canibalismo, o indivíduo incorpora somente os objetos que ele deseja e estima, numa espécie de “afeição devoradora” pelos inimigos. O canibal não devora aqueles de quem não pode gostar de algum modo. Interessante, não é?

Através das identificações, podemos ”querer-ter” algo característico de alguém ou ”ser-como” alguém. Algumas ocorrem pela adoção inconsciente de  traços ou sintomas da pessoa que amamos (pode ser até mesmo uma tosse ou um “tique”). É realmente como se nosso eu “adotasse” certas características do objeto amado, ou mesmo do objeto rival que tem proximidade afetiva com o objeto amado. Toda identificação, portanto, contém um fragmento de verdade sobre nossos afetos e laços com o outro.

Podemos fazer laço com o outro de três formas, segundo Freud: a segunda forma seria a identificação a um Ideal vindo desse Outro, e que agora nos servirá de guia interno (consciente e inconscientemente) para o estabelecimento de novos laços com nossos semelhantes; os outros. Valores, consciência moral e ética são exemplos desses possíveis ideais.

A terceira forma de identificação são as identificações que se dão por “contágio”, quando algo entre meu eu e o eu do outro coincide num determinado ponto. É quando eu posso ou quero me colocar na mesma situação que outrem, porque já vivencio o mesmo ou desejo vivenciá-lo. Por exemplo, quando estamos apaixonados ou carentes e assistimos a um filme romântico, ficamos temporariamente identificados por contágio com um dos personagens apaixonados. São identificações onde podemos dizer “eu também sinto isso” ou “eu também gostaria de sentir isso”.

Freud nos dá um exemplo: se uma garota receber uma carta de alguém que ama secretamente e essa carta, por algum motivo, lhe despertar ciúme, outras garotas a sua volta podem se contagiar com seu sofrimento e ciúme, porque elas também têm ou gostariam de ter um amor secreto.

Embora as identificações sejam constitutivas e muitas possam se tornar parte de um senso de identidade consciente, isso não significa que as identificações tenham o objetivo de se cristalizar em identidades. Pelo contrário; numa análise, vemos que quanto mais nossas identificações conscientes ou inconscientes se confundirem com identidades rígidas e fechadas, mais dificuldade teremos de ocupar lugares e posições psíquicas diversas diante de nossos conflitos e problemas, e sofreremos mais tentando lidar com os mesmos.

O conceito de identificação na psicanálise é complexo e com muitos desdobramentos.  Aqui falamos apenas de um recorte mais freudiano,  Lacan contribuiu ainda mais para pensar o conceito de identificação através da teoria do Estádio do espelho. 

Fala pra gente no nosso Instagram, que conceito da Psicanálise você gostaria de ver aqui a definição no próximo mês?

 

Patrícia Andrade

Psicanalista e psicóloga, aprimorada em Saúde Mental pelo Instituto A Casa e membro da rede Inconsciente Real

 

Bibliografia:
Kaufmann, P. Dicionário enciclopédico de psicanálise: O legado de Freud e Lacan. Editora ZAHAR – 1993.

Freud, S. Psicologia das massas e análise do Eu. Companhia das letras

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