A psicanálise é machista?

De tempos em tempos, nós psicanalistas, somos interpelados pela pergunta: a psicanálise é machista? Mais importante do que responder com sim, ou não, é poder fazer dessa pergunta uma convocação para pensar a nossa prática e nossos discursos. A psicanálise é, também, um estudo dos discursos, e por isso torna-se fundamental pensar como esta se coloca frente ao machismo e à lógica patriarcal.   

Uma psicanálise que corrobora com o discurso que inferioriza mulheres, seus direitos, liberdades e potências, é no mínimo equivocada! A psicanálise é uma forma de tratamento que, a partir da escuta, permite que apareça o singular de cada caso. Há, dessa forma, uma aposta de que a pessoa possa viver em maior consonância com sua subjetividade e desejo. Não há como isso ser feito a partir de qualquer discurso e/ou sistema que tem por princípio cerceamento, exclusão e moralismo.

Podemos porém, enquanto analistas, nos questionar quanto ao uso que nós mesmos fizemos (e fazemos) de nossa teoria e principalmente nossos conceitos. Falo, complexo de édipo, gozo feminino… são conceitos que precisam e merecem ser lidos com rigor clínico, e por vezes, precisam ser revisados e retomados. De certa forma, é o que Jacques Lacan faz com sua proposta de “retorno a Freud”. Mas Lacan também dá um passo a mais, e apresenta proposições que muito podem nos servir em questões urgentes e atuais, como por exemplo: os 4 discursos, a lógica da sexuação e o nó borromeano. Lacan, inclusive, nunca recuou de manter diálogo aberto com pensadores e feministas de sua época, que também frequentavam seus seminários. Freud, ao seu modo, também não recuou. Se por um lado podemos interpretar algumas de suas falas como machistas, podemos também encontrar uma grande disposição para tomar sem preconceitos questões que começavam a ganhar espaço em sua época.

É assim, inclusive, que podemos escolher nos posicionar, não apenas para responder a pergunta inicial, mas para pautar todo o exercício clínico de atuar diretamente nas existências de hoje: levando muito a sério a indicação de Lacan, que já em 1953, sobre o psicanalista e a sua prática, pede “Que antes renuncie a isso, portanto, quem não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época.”

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