Angústia, ansiedade, pandemia e escuta psicanalítica

… “a angústia, dentre todos os sinais, é aquele que não engana”

Jacques Lacan

 

Muito se fala hoje em dia sobre ansiedade, e na pandemia fala-se ainda mais. Profissionais de saúde mental de diversas abordagens têm dissertado sobre o tema e estima-se que este seja o transtorno mental de maior prevalência na contemporaneidade.

Segundo estudos da OMS, o Brasil é o país com maior incidência de transtorno de ansiedade do mundo e a região metropolitana de São Paulo tem uma alta prevalência de pessoas que sofrem com transtornos mentais, sobretudo a ansiedade. 

Temos um outro recorde: o Brasil também é o maior consumidor do mundo de Benzodiazepínicos (Rivotril, Clonazepam, Diazepam, entre outros). São toneladas dessa substância produzidas e consumidas anualmente pelos brasileiros, substância essa considerada como “droga de alívio”, ou seja, não cura a ansiedade apenas alivia os sintomas. E o pior, diferentemente dos antidepressivos, causa dependência, com o tempo o organismo fica cada vez mais resistente e é necessário aumentar a dosagem para  se obter o mesmo efeito.

Do ponto de vista fisiológico a ansiedade é essencial para nossa sobrevivência, nos alerta quando estamos em perigo, faz com que nosso corpo dispare o mecanismo de defesa denominado “luta ou fuga”, nos deixando mais atentos e hiper focados na situação de risco. 

Se pensarmos na pandemia, um certo grau de ansiedade é necessário e benéfico, pois é a partir dessa sensação que ficamos alertas para os cuidados que devem ser tomados para nos proteger e proteger o outro, como o uso de máscara, higiene das mãos, manter o distanciamento social, etc.

Pois bem, mas será que angústia, muitas vezes interpretada pela ciência médica como ansiedade, é apenas um fenômeno fisiológico?

O instrumento da medicina para tratar a ansiedade é o medicamento Para diferenciar um comportamento, sensação e/ou sentimento entre “normal ou patológico” a psiquiatria faz uso de manual diagnóstico como base semiológica para classificação diagnóstica e se ampara no pilar: intensidade, durabilidade e prejuízo das manifestações sintomáticas para então avaliar qual melhor forma de tratamento, que quase sempre inclui a administração de remédio.

Bem, a questão é que ao administrar a droga, que cessará temporariamente os sintomas, pode privar o sujeito de saber mais sobre si mesmo, de se implicar com seu sofrimento e suas queixas, abafando questionamentos e elaborações sobre os seus problemas, o que poderia promover uma transformação mais profunda e duradoura.

Na pandemia os pedidos de atendimentos psicológicos/psicanalíticos cresceram exponencialmente. Pacientes que procuram análise com queixa inicial de “ansiedade”, com alguns questionamentos e uma escuta mais aprofundada, abrem a caixa de pandora. A ansiedade fica como pano fundo, é a angústia que os leva ao divã.

A priori, na primeira tópica, Freud atribuiu a angústia como efeito de um sintoma neurótico. Após alguns anos de investigação e escuta clínica, compreende que o sintoma que é efeito da angústia, ou seja, que o sintoma é um modo que o sujeito encontra para se defender de sua angústia.

Diferentemente do discurso médico, a psicanálise propõe a escutar e interpretar o seu mal-estar. Ainda que nós, psicanalistas, façamos uso da psicopatologia para guiar nosso raciocínio clínico, articulando o singular à clínica universal, estamos pouco preocupados com “diagnóstico” em si.

Entendemos que, mesmo as formas de vida mais difíceis que geram grande sofrimento psíquico, foi a melhor maneira que o sujeito encontrou, a partir dos recursos que detinha ao longo de seu desenvolvimento, para lidar com a sua angústia frente à realidade que se impõe. Em outras palavras, a psicopatologia investiga as instâncias fixas e sintomatológicas inconscientes de se interpretar a realidade, assim como a maneira que o sujeito encontrou de se posicionar diante dessa interpretação. 

Não se trata de rechaçar o uso da medicação, mas de questionar a forma como vem sendo utilizada. O medicamento é importante quando o excesso de ansiedade paralisa o sujeito ao ponto de não permitir que ele fale e quando traz prejuízos a sua saúde. A questão é quando o medicamento cala.

A escuta psicanalítica se propõe a ouvir o sintoma na sua singularidade, como cada um de nós se utiliza de um arcabouço sintomático inscrito na linguagem, para se posicionar frente a angústia. Por isso, não é interessante abafá-la com remédio sem que antes tenhamos a chance de escutá-la. 

 

Aline Mossmann

Psicanalista, psicóloga com especialização em saúde da família pela UNIFESP, integrante da rede Inconsciente Real e do grupo de estudos “Feminismo e Psicanálise”.

 

Referências bibliográficas

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FREUD, S. (1926‑1929). Inibição, sintoma e angústia. In Inibição, sintoma e angústia, O futuro de uma ilusão e outros textos. (Coleção Obras completas, P. C. Souza, trad., Vol. 17, pp. 13-123). São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2014. 

FREUD, S. (1906-1909). Análise da fobia de um garoto de cinco anos: “o pequeno Hans”. In O delírio e os sonhos na Gradiva, análise da fobia de um garoto de cinco anos e outros textos (Coleção Obras completas, P. C. Souza, trad., Vol. 8, pp. 123-284). São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2015. 

Lacan, J. (1962-1963). O seminário, livro 10: a angústia. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

NICÉAS, C. A. Pânico e Angústia. In Latusa, nos 4/5. Escola Brasileira de Psicanálise. Rio de Janeiro 2000, pp 91 a 103.

MINERBO, M. Diálogos sobre a clínica psicanalítica. São Paulo: Blicher, 2016 – 1° Edição, 214p.

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<https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/254610/WHO-MSD-MER-2017.2-eng.pdf> Acesso: 28 fev. 2021.



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